desiderata
"Falha em subestação deixa 15 cidades sem energia ontem"
Notícia publicada na edição de 18/08/2008,
Jornal Cruzeiro do Sul, Sorocaba.
Entre um arrepio e outro, na pele é que eu te encontro. Você sabe a rima que dá o meu sussurro. Na boca, doce e amargo se encontram, efeito causado pela tua saliva em minha língua. A minha, não. Minha saliva esvaiu-se há tempos, por entre os dentes, um filete em teu pescoço, no teu umbigo, no teu medo da aridez dos tempos de seca. Teu olhar percorre agora distâncias profundas, com a urgência de quem foge do mal, avidez de fome acumulada há mais de três milênios. Há quase certa pena em saciar-se; tolamente; como se o instante, tão esperado, não iniciasse, a cada fim de procura, nova busca. É que somos imperfeitos. Por isso esquecemos. Mas não é o que importa agora. Importa é essa pressa, exponenciada pela lentidão de quem não quer perder nada: a hora do jantar, o mais ínfimo toque, a minimalista quimera. Teu cheiro dá voltas em torno de mim, e me invade rápido, entre doce e violento, como se fugindo do mundo, querendo abrigar-se em meu peito, buscando a proteção do meu afago castamente denso. E eu já não sei onde é meu início e nem quando findo, se é que. (Talvez eu acabe um pouco a cada vez que o mundo te chama para fora). Mas não hoje, não neste agora: o mundo não ultrapassa a porta. Nós sim; nós a transcendemos, penetramos o abstrato peso do concreto dos nossos corpos, com carícias vulgares, de belezas maiores. As melhores. Cabe sim, delicadeza em nossa fúria.
Você dedilhou-me os pêlos, os desejos pueris, o avesso do coração. Pelo olhar você me adivinha. Eu cedo, me abandono. Teu sopro leve em minha pele tira proveito da desistência e me alça, me espalha aos quatro ventos, me faz pairar alto, sobre o tempo, sobre o cansaço da espera, acima do sujo do chão dos dias. Brincante, a tua respiração em minha pele demora o segundo infinito e exato para que eu desperte do aleive errante dos dias e me perceba:
tua,
amada,
e eterna.