terça-feira, 11 de maio de 2010




Nova casa

Aos amigos:

Por aqui é que se vai pra lá...




sexta-feira, 14 de novembro de 2008





Pra você ter paciência

E se você me habita
eu viro casa;
Se você me voa eu viro asa
Se chega num repente e espanta
antes de assustar, encanta.
Um beijo e eu viro brasa.

Se me tenta com sussurro
lanço-me ao queixo da razão.
De coração em riste,
Eu: murro.

Ah!
E se por acaso me ama
Diz, e eu borbulho em mil:
viro tua lua, pão e carinho
flor anis, ausente de espinho
vento sigo e através,
Eu: passarinho.

De se em se me transformo,
eu viro-metamorfoseio.
Feito espelho de querer bem
se você diz que me ama,
Eu, tua amante, viro amor.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008



*Photo: Keith Levit


Flores

Eu lhe disse que não gosto de ganhar flores. Porque elas são frágeis. Elas me lembram que a fragilidade existe e que mora, antes de na pétala fina e tenra, em mim. Sinto pena de as coitadinhas, simplesmente nascidas e existentes, serem arrancadas para você mostrar que me gosta. É que quase toda mulher gosta de flores, mas eu fiquei entre ‘quase’ e ‘toda’, num espaço certeiro, onde só pode morar um senão. E elas ficam tão bem, sob o sol e chuva então, deixe que elas fiquem. São fortes: só por isso merecem ficar. Entendi que você me gosta, mas foi num olhar dia desses, durante uma de nossas longas conversas. Vou te confiar um segredo, se é que minha visão sobre as lindas flores já não o delatou. Eu, eu preciso de proteção, embora não pareça. Mas não sei pedir se não for através de um olhar altivo, um ar confiante. É que às vezes eu sou. Mas não é sempre.
Um dia aprendo simplesmente a sentir (porque as flores trouxeram consigo a mensagem, a lembrança). Mas enquanto não, eu, coração na boca e travestida de semblante austero, fico aqui, refletindo sobre flores de aparência frágil, mas resistentes a tempestades. Olho-as com estranheza e certa inveja da sua falta de afetação. Me reconheço em seu avesso, fortaleza revestindo o tênue. Insisto nesse gris encobrindo de segurança questionável minhas cores e pétalas pequeninas.
Perdoe-me pelo não agradecimento direto, pela aparente falta de modos. É disfarce da fragilidade.
É que eu sou, antes de mais nada, uma flor ao contrário.


quarta-feira, 29 de outubro de 2008



*Photo: Carroll Seghers



Qualquer quarta

Para um certo ouriço.

Você longe.
Eu não sei o que faço.
Rabisco, então, certas querenças.

O poema imita o dia.

Você aqui.
Eu não sei o que faço
(quero fazer tudo).
Então, paro e simplesmente sinto.

O dia imita o poema.


segunda-feira, 20 de outubro de 2008




*Photo: Helder Costa Real



Ver ou não ver



Ventania que levite dores,

amor a engravidar alvoradas,

poesia para dias de espanto,

e paraísos que inspirem quimeras.

Vê. E quando não, imagina

(imaginar é ver de olhos fechados):


o olhar sempre delata no alcance

o tamanho de quem o possui.



terça-feira, 23 de setembro de 2008


*Photo: Lisa Spindler


L’art

Sou artista do infinito.
Em cena, sem ensaio.
Trago gizes nos bolsos
para colorir enganos
e pequenas lamparinas
para alumiar estréias
O enredo é bom, amor;
(a atriz é sofrível; mas
perseverante)

Se você quiser,
tem lugar no gargarejo.
Você me dá paciência,
e carinho no teu olhar.
Eu em troca ofereço,
malabarice clássica:
de comédias de fadas
à tragédias de quinta.

Em avant-première será teu,
por entre dias ímpares,
o melhor do meu improviso.

segunda-feira, 8 de setembro de 2008


*Photo: Darren Greenwood




Colours of Future

É lento o beijo que eu quero te dar. Lento a ponto de demorar uma vida sabe, amor. Sim, você poderá trabalhar, dar aulas, ensinar poesia. Poderá até fazer discursos, participar de debates, tudo pelo partido. Mas não parta. Não para longe. Que é à noite, no silêncio de casa, entre a sombra e a luz sobre os móveis e nossas fotos, que o beijo recomeça. As crianças dormem no quarto ao lado. Você inventou de deixar esse cavanhaque e agora ele faz cócegas na minha sensatez cada vez que penso que tenho de acordar cedo, que já é tarde, que as crianças estão ao lado. Mas é a tua boca, essa culpada. Cada vez que recomeçamos nosso beijo, a vida fica tão curta. (...) O vinho é branco, o lençol é tinto; cortinas de outra cor esvoaçante. Você diz que eu tenho mania de atribuir cores a toda coisa. Sim, eu sei a cor de tudo, até da eternidade, mesmo estando de olhos fechados, quando a vejo. No teu beijo.

Essa cor, amor, eu sei de cor.


terça-feira, 19 de agosto de 2008







desiderata


"Falha em subestação deixa 15 cidades sem energia ontem"
Notícia publicada na edição de 18/08/2008,
Jornal Cruzeiro do Sul, Sorocaba.

Entre um arrepio e outro, na pele é que eu te encontro. Você sabe a rima que dá o meu sussurro. Na boca, doce e amargo se encontram, efeito causado pela tua saliva em minha língua. A minha, não. Minha saliva esvaiu-se há tempos, por entre os dentes, um filete em teu pescoço, no teu umbigo, no teu medo da aridez dos tempos de seca. Teu olhar percorre agora distâncias profundas, com a urgência de quem foge do mal, avidez de fome acumulada há mais de três milênios. Há quase certa pena em saciar-se; tolamente; como se o instante, tão esperado, não iniciasse, a cada fim de procura, nova busca. É que somos imperfeitos. Por isso esquecemos. Mas não é o que importa agora. Importa é essa pressa, exponenciada pela lentidão de quem não quer perder nada: a hora do jantar, o mais ínfimo toque, a minimalista quimera. Teu cheiro dá voltas em torno de mim, e me invade rápido, entre doce e violento, como se fugindo do mundo, querendo abrigar-se em meu peito, buscando a proteção do meu afago castamente denso. E eu já não sei onde é meu início e nem quando findo, se é que. (Talvez eu acabe um pouco a cada vez que o mundo te chama para fora). Mas não hoje, não neste agora: o mundo não ultrapassa a porta. Nós sim; nós a transcendemos, penetramos o abstrato peso do concreto dos nossos corpos, com carícias vulgares, de belezas maiores. As melhores. Cabe sim, delicadeza em nossa fúria.
Você dedilhou-me os pêlos, os desejos pueris, o avesso do coração. Pelo olhar você me adivinha. Eu cedo, me abandono. Teu sopro leve em minha pele tira proveito da desistência e me alça, me espalha aos quatro ventos, me faz pairar alto, sobre o tempo, sobre o cansaço da espera, acima do sujo do chão dos dias. Brincante, a tua respiração em minha pele demora o segundo infinito e exato para que eu desperte do aleive errante dos dias e me perceba:
tua,
amada,
e eterna.

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

*Photo: Susie Cushner

In[sos]sa

Debaixo do carmim das unhas, há fragmentos do dia ido. O banho lava muitos tipos de sujidade, mas não limpa as cinzas espalhadas pelo excesso de consciência; tampouco o pó sobre os sonhos adormecidos na caixa de papelão que há na garagem. Eu tenho tentado – mas a verdade é que não sei se devo - ser mais feliz do que eu sou. Não sei se me é outorgado, se ouso ousar a querença. É que às vezes uma ventania. E então minhas urgências, ah, as minhas urgências desconhecem carências, cartazes de avisos; fazem-se tão importantes quanto cada uma das minhas não-conquistas. Eu, que nem quero tudo, apenas o que não tenho. Numa dessas noites - de pouco vinho e muita solidão – me percebi mais escura que a sombra, a minha própria, ao meu lado. É claro que não deixei que a pobre notasse a farsa que perseguira toda a vida, a cópia. Pensando ainda em díspares interpretações, lembrei do velho sapateiro do fim da rua da dinda, que dizia que pombos não serviam para nada a não ser sujar a pracinha. Eu, criança, ouvia isso meio descrente, sem saber a resposta, mas imaginando ser, tal inutilidade, algo impossível; não deveria ser esse o único despropósito para a existência de pombos. Hoje em dia, ainda com a mesma crença, sigo sem saber a resposta, estendendo entretando, tal incógnita,à minha própria existência. Há sim os dias em que tudo isso nem importa, e o que vale mesmo é a beleza dura e pontiaguda do instante. Mas, me assolam então, outros dias mais belos, e outros de certo desencanto, em que banhos não são suficientes para dar efeito de ‘novo’ à alma.
Enquanto a inquietude dorme, o coração descansa. Amanhã, refeita do peso da fragilidade de ser o que sou, hei de usar, junto com o chapéu laranja, uma nova esperança. E meias coloridas. É que eu amanheço só para não destoar: sei que sou parte da noite clara (ainda assim, noite); branca feito um Dostoievski, acabo sempre obscurecendo – por meio de contrastes – o fim das tardes. Talvez, na intenção de transformá-las em noites completas, que é quando enxergo melhor. Ou na esperança secreta de que estas acabem por tornar-me, novamente, a menina que sabia o que ia ser quando crescesse.


domingo, 13 de julho de 2008




Poemas de infância


Ah, tem-se que abrir o coração. Garotas românticas não têm outro destino. Elas sabem que janelas fechadas dificultam a entrada de assaltantes e resfriado, mas também impedem a passagem da lua para dentro do quarto. Não há como viver com a alma sem cor pela porta trancada, onde luz alguma adentra para iluminar os cantos. Há todos esses espinhos no meu quarto e o desejo comedido de ter a luz acesa para me esquivar deles. Mas, se acendo a luz, perco os desenhos feitos pelo encontro da penumbra com o farol dos carros pela persiana. Cecília já me dizia quando criança – mas só agora entendo – que é assim: “ou isto ou aquilo”. Acho que não deviam ter-me lido poesia quando eu era pequena. Meu imaginário povoou-se de idéias de ternura e tempestades, idéias de que sem paixão, não é para ser, não é para sequer, se mover. Não sei agir diante da dureza e do caos. Ninguém sabe. Eu, menos ainda. E agora, eu aqui, me decidindo se vou pelo caminho fácil, ou se continuo pelo meu caminho, onde tudo nunca é menos que em demasia. É que às vezes quase canso e queria saber seguir sem sentir tanto, tudo. Mas não sei se posso, se consigo. Talvez não me seja permitida a brandura das coisas. Amores ou dores, só em rompantes, jorros, espasmos. Logo pra mim, que queria não sentir, que queria pra mim, toda a sobriedade advinda da covardia de não sentir nada. Logo para mim, que, quando criança, quase morri de pena do Bandeira, por saber que o porquinho-da-índia que ele tanto amava, não queria sair debaixo do fogão.


terça-feira, 1 de julho de 2008





Debalde

Para William,
que incita minha mente
a poemar com palavras engraçadas.


Teu sorriso suave,

(lhano)

desentorta meu mundo,

(plano)

torna-o mais que sereno:

(pleno)


domingo, 29 de junho de 2008



*Photo: Jamie Grill


Jogo dos sete mil erros


Eu erro.
E se eu erro por ser tola
erro mais porque tento muito.
Porque não desisto
não me frustro, não me condeno.
Só os grandes sabem reconhecer
a significância dos seus erros
porque não há nessa vida
do que não se possa extrair beleza.
(tento acertar a direção da retina).
Erro tanto que chego a duvidar,
mas nunca o suficiente para desistir.
Apreendo do mundo suas nuances
suas diversas facetas;
Muitas delas me divertem
(outras, confesso, nem tanto)
Erro muito por ser serelepe
bicho inquieto achando que,
se não por esse,
algum caminho, dá pé.
Quem sabe errando tanto
eu não acumule pontos tantos
que possam ser trocados
no balcão do fim dos dias
por um acerto tamanho p?
Um acerto de consolação?
Um dia eu aprendo.
Ou morro tentando.
Porque na persistência
para perseguir acertos,
há corações e CORAÇÕES.

domingo, 22 de junho de 2008



*Photo: Images.com



Duetos

Um poema sobre o que me vai
nesse exato instante
poderia ser sobre medo.
Poderia também
dizer do quanto é cedo.
Do perigo do segredo.
Ironicamente,
nesse poema do que sinto agora
caberia igualmente
inverter sílabas e
falar sobre o encantamento doce
que misturou aromas e histórias
dispensando até o vir da aurora
como se última aquela noite fosse.

(A lua brinca com palavras indizíveis.)


domingo, 15 de junho de 2008


*Photo: Phoebe Dunn



La vie en blue

É noite fria. Chove.
Há um beijo lembrado
que aquece uns sonhos
mas não cessa o frio
ao redor da ausência.
Da chuva de inverno,
gotas esfaceladas
cantam certa falta
ensaiam uma querença.
Por companheiros,
um cigarro apagado,
chocolates preto e branco
e uma incerta saudade.


quinta-feira, 12 de junho de 2008



*Photo: Maria Muller



unu et idem

É a matéria da qual somos feitos.
Você percebe também?
Somos feitos do mesmo
pedaço de sonho carmim.
E somos mais que dois,
muitos, tantos, outros
os que estão por vir.
Somos siameses de coração
felinos de desejos aguçados
caminhamos nos equilibrando
entre muralhas da China
e torres brancas de Taj Mahal.
Somos seres habitantes
do paralelo, do lado de lá,
da margem sutil do improvável.
Dicotômicos, paradoxos,
completamente complexos
simples feito algodão-doce.
Trazemos na alma o segredo
de saber que o mundo
à parte mundo, à parte tosco,
pertence a nós, aos que pulsam forte,
aos que só sabem seguir
simetricamente alinhados ao infinito.
Porque sonhos se reconhecem.
E é quando eu te sinto aqui
o único instante perene
em que todo o nonsense do mundo
passa a fazer algum sentido.
E já não importa se é noite, frio ou aurora
importa tão somente é me perder
na imensidão desconhecida do teu olhar.

(E é só então que eu,
viajante, andarilha, estrangeira,
me sinto, enfim, em casa.)