segunda-feira, 31 de março de 2008

* Image: Linda Fennimore

[A]part


Para M. Araújo, par comigo na deliciosa
conversa que gerou esse rascunho-poema.


É o mundo à parte que nos pertence

Não esse, cheio de formas escusas

sabor, aromas , padrões duvidáveis.

Do céu tingido largo de azul-riacho

pouco temos, nos sobra, nos é dado.

Mas é com unhas e dentes e coração em punho

que nos agarramos à idéia utópica,

à quimera quiçá homérica de um dia,

tilintar nossas taças comemorando a chegada

o sossego, o encontro da casa aconchego:

amplas janelas, cortinas brancas, jazz sobre os móveis.

E então, talvez merecidos, (talvez não),

possamos amar em paz, sem sobressaltos,

sem que o mundo nos pertença, mas,

de alguma maneira suave, quase certeira,

nos pertencendo nós, a nós mesmos.

domingo, 23 de março de 2008



De fora

Após assistir à peça "Bartleby".


E se eu não sei como me inserir.
As cadeiras, o abajur e a mesa
estão muito mais imersos que eu.
(Quisera eu; já os invejei por isto)
Mas em mim hoje, plaina Nina Simone,
e com o vinho, uma alegriazinha sutil
uma não-tristeza por não pertencer.
Sei, é de dentro a nascente perene
a interação entre o ser e o outro
e entre este mesmo ser e o mundo.
E eu por isso, por hoje,
sigo à parte.
Por escolha, por não sentir parte,
por não saber como.
Mas estranhamente feliz.
(como estranho seria se fosse.)

terça-feira, 11 de março de 2008



*Image: Lisa Powers



Eu
Após assistir ao espetáculo "O Rei dos Urubus".



Passar algumas tardes ociosas de domingo lendo poesia um para o outro, porque eu quero a vida leve, dentro da maior leveza e suavidade que eu puder levar. Adoro ser piegas. Ainda mais quando o que digo é verdade. Nunca tive medo de parecer ridícula. Me chamaram ontem de louca, duas vezes, ah, e de “figura”... Mas eu não sei, é que me sobra a cada manhã um desejo de jantar o mundo, de engoli-lo inteiro com talheres de amor e prata (...). É que me sobeja um carinho, certa fragilidade irremediavelmente enrustida, a força que não ultrapassa o semblante, uma urgência tardia que insiste em me usurpar do comum. Quem sabe um dia eu aprenda a fingir bem. Hoje em dia eu não finjo: engano [me] pensando que engano. Sou péssima atriz; espectadora exigente da minha arte. Mas você não entenderia bem por enquanto, e é por isso que eu dissimulo. Um dia me precipito desse palco meio roto e, despida dos pesos do mundo, enrolada apenas às cortinas de veludo vermelho, vou te contar ao pé d’ouvido, poemas que trago em mim e histórias engraçadas dos meus improvisos, espetáculos comuns acontecidos enquanto eu te esperava na coxia.



segunda-feira, 3 de março de 2008




Photo: Tiago Xavier


White Cyclone

Ah, de tanto gira mundo
ora por baixo, por cima
de lado, por baixo, no ovo,
de novo, por cima.
Um dia o caminho: em cheio.
seguindo em frente,
se acerta o passo
se encontra o certo
se vai de reto ou
n’outro errado que leve.
Não menos desperto
nem menos incerto
mas sempre no dorso alado
desse vidaziguezaguear.

(volto a olhar a vida do alto)