terça-feira, 29 de janeiro de 2008

*Photo: Westend61


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De vento em vento

um dia invento

o caminho certo

de tempo em tempo

sem contratempo

um dia ponho a vida em ordem.

No dia do desmando

ordenando a mim,

obedecerei a desordem

pra assumir meus erros

e num zás,

sumir de vez.

Nesse dia-ventania, ah,

vôo no vento,

vou no tempo,

senhora de mim

e cheia de dar ordens,


hei de me mandar.



segunda-feira, 21 de janeiro de 2008


*Photo: Marta Ferreira


Duo


Tua boca de liame e impropérios

me embala no improviso perfeito,

no melhor e mais genial espasmo,

saliva artista a redesenhar meu umbigo.

um desejo sem rosto, sem nome,

um estranho de mil tentáculos

a aparar meu arremessado coração.

Não há como negar o anseio

o desejo ardente de criança afoita

de que todo esse provisório bom

ecoe em minh'alma e ressoe no eterno.



(Ah como se já não fosse

e como se mais,

fosse,


ainda,

possível.)



segunda-feira, 14 de janeiro de 2008


* Photo: Alex Fradkin


da Carochinha

Deu-se a si em bandeja de prata
e se mais não pôde
foi por não lhe quererem
(por ela, já o teria feito)
E não foi a paga esperada, a que recebeu.
Desistiu de tudo, das tardes de domingo na sogra
ao Amor, filhos, curso de pilates e ikebana.
Quis desistir, pular do mundo
(o abismo de fora, parecendo menos profundo)

De idéia em punho, espera a deixa (coragem?),
Eis,
vem o destino interromper-lhe a viagem.
Enquanto lança o último afago ao cachorro,
olha a ponte à sua espera, que quase sorri.
A galope em cima dela, um andante.
Sujo, roto, mas ah, nos olhos
nos olhos mil estórias cantantes.
Estende uma rosa, carmim,
que levemente ajeita em seu cabelo,
(tendo sentido talvez, do toque, o apelo)
“- Levanta o queixo menina, que a vida é muita
e se a aurora’inda vai alta, é porque é cedo.”
E é assim, na mais piegas situação,
que ela flor, de flor no cabelo
atira da ponte só a dureza e a mágoa
do alto de sua mais sábia decisão
e nesse gesto faz sua escolha:
permuta o frio do obituário
pelo verde olor do orquidário
onde vai todas as tardes passear.
Flor em seu devido lugar
belo dia desses
alguém há de se encantar por sua beleza
e se ela der sorte, refeita,
há de ver a beleza mesma nestes outros olhos.
Já não chora,
(no máximo rosna; ou ronrona)
Vida, às vezes é fardo
outras é encanto.
Viver amor é arriscar muito, tudo, e tanto.
Suicidar-se? A idéia certeira de outrora
por baixo da ponte, de longe
vislumbra a flor com espanto.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2008



*Photo: Russel Kord


In definição



O céu que eu mastigo nesse instante

é vermelho como um pecado inconfesso

e se eu abro a boca violentamente

mesmo com medo da fuga de estrelas

é porque não me permito rir ou chorar

se não for assim, com boca e alma escancaradas.

embora eu possua céus azuis e estrelas domáveis

nada me define melhor que essa

tempestade listrada lavando a poeira do dia

vermelho e insuportavelmente quente.


porque é a intensidade, e não a cor,

o que na natureza melhor me define.